PROJETO SESA: UMA EXPERIÊNCIA QUE DÁ CERTO
O
projeto Seminários de Saberes Arquivísticos - SESA nasceu da experiência das
aulas de Oficina de Textos I e II do curso de Arquivologia (1º e 2º período) da
UEPB – Campus V – João Pessoa, ao introduzirmos o estudo do gênero seminário
acadêmico. As discussões dos alunos em
sala de aula revelaram as dificuldades temáticas, composicionais e linguísticas
que cercam os gêneros. A maioria deles apresentou insegurança e medo ao falar
em público e ao escrever textos. Vários relatos e bilhetes apontavam para a problemática
da ausência de gêneros orais e produção efetiva de textos escritos na educação
básica e do impacto causado na aprendizagem com gênero. A partir desses
relatos, verificamos a necessidade de um projeto interdisciplinar que
assistisse o corpo discente e minimizasse as deficiências de produção textual,
quer na modalidade oral quer na escrita, um projeto que propusesse o estudo de
vários gêneros, em especial da vivência acadêmica.
Para isso, organizamos atividades
com sequência didática (Schneuwly et al., 2004) e reescrituras dos diversos
gêneros textuais, tais como resumo, resenha, diário de leitura, ensaio e
artigos acadêmicos. A conclusão do semestre culminou com o Seminário de Saberes
Arquivísticos (SESA), cujas apresentações estavam na modalidade de comunicação
oral e foram publicados, internamente, em um cd de anais de cada semestre.
No
início do trabalho desse projeto, surgiu a necessidade de repensarmos o
processo de ensino e aprendizagem da leitura e da escrita na sala de aula, na
perspectiva de gênero discursivo e de suas condições sócio-históricas.
Bakhtin ([1953] 1992) assegura que os gêneros
são tipos
relativamente estáveis de enunciados
que emanam das diferentes
esferas sociais.
São caracterizados por
conteúdo temático,
estilo e construção
composicional. O conteúdo temático constitui aquilo
que é dizível por
meio de um
gênero. O estilo diz respeito
às escolhas linguísticas (recursos lexicais,
fraseológicos, gramaticais); já os aspectos
estruturais do texto formam sua construção
composicional.
Para esse autor, os usos
da língua são
marcados por estabilidade,
uma vez que são
frutos de construção
sócio-cultural e histórica. Assim como as atividades
humanas são dinâmicas
também se transformam com o tempo, os textos
e os discursos que
permeiam tais atividades
mudam. Por isso, analisar a escrita dos gêneros acadêmicos (resumo, resenha,
artigos) passou a ser um passo importante para a inicialização do processo de
escrita.
Ao
escolhermos alguns gêneros para serem estudados e analisados de maneira mais
contundente, procuramos situá-los no tempo
e no espaço em
um determinado
domínio do conhecimento. Os sujeitos ao assumirem papéis sociais em contextos
culturais tendem a utilizar
a língua de determinada
maneira e a interagir
com seus
pares por
meio de gêneros
típicos daquela esfera.
Porém, variações nas condições de produção dos gêneros podem torná-los instáveis
e abrir espaço
para mudanças. Para isso, adotamos para a disciplina
de Oficina de texto II a coleção, organizada por Machado (2004/ 2007), sobre a
produção de textos técnicos e científicos.
As
dificuldades iniciais com o material a ser trabalho devem-se ao fato de os
alunos recém-ingressos virem de uma cultura de ler e resumir textos (embora não
saibam fazê-lo). A coleção selecionada sugere que leitor pratique exercícios,
construa o conceito do gênero estudado e ainda perceba as diversas condições de
produção que consequentemente modificam o estilo, as escolhas
linguísticas (recursos lexicais, fraseológicos, gramaticais),
os aspectos estruturais do texto. Por
exemplo, ao estudar o gênero resumo, o aluno precisa estar atento à correção
gramatical e ao léxico adequado a cada situação acadêmica de uso; seleção das
informações colocadas com as mais importantes no texto original; indicação dos
dados sobre o texto resumido, no mínimo autor e título; apresentação das ideias
principais do texto e de suas relações; menção ao autor do texto original em
diferentes partes do resumo e de formas diferentes; menção de diferentes ações
do autor do texto original (o autor questiona, debate, explica...). Ao final do
trabalho com o gênero na sala de aula, os resultados mostraram que houve uma
melhora considerável na produção dos textos.
Outro
ponto bastante discutido em sala foi a condição de produção do texto, assim
firmamos alguns conceitos-chave sobre
leitura, resumo/resenha e sobre como produzir qualquer gêneros, tais como: a
antecipação do conteúdo como facilitador da leitura; o leitor potencial para o
texto; a época e o local em que foi
produzido; o propósito de escrita do autor daquele texto; o veículo e o suporte
de circulação.
A compreensão global do texto a ser resumido
ou resenhado passou a ser um passo importante na produção dos textos, a saber:
o gênero de texto; o meio de circulação; o autor; a data de publicação; o tema;
posição ideológica do autor; a questão que é discutida; a posição (tese) que o
autor rejeita ou sustenta; os argumentos que sustentam ambas as posições; a
conclusão final do autor. A pesquisa revela que a leitura e a escrita dos
alunos passou a ser mais consciente, inclusive, quando a escrita era incoerente
bastava pedir que refletisse sobre esses elementos e o próprio aluno já
apontava a resposta esperada.
Foi perceptível a contribuição dessas teorias
para o ensino e aprendizagem do gênero. No depoimento de um aluno ao entregar
um ensaio, ele afirmou que para escrever um gênero é necessário o conhecimento
de outros gêneros, por exemplo, ao escrevermos o ensaio, utilizamos o roteiro,
o sumário, o resumo, a resenha. O aluno acrescenta também que o conhecimento de
outros gêneros facilitou a organização das ideias, a organização de outros
gêneros e o uso das normas da ABNT.
Um
gênero que chamou a atenção dos alunos foi o diário de leitura pela não frequência
de uso na sala de aula. Os diários de
leitura, em geral, não oferecem qualquer modelo preestabelecido, sendo bastante
diversificados entre si. O primeiro e o mais importante objetivo da produção de
um diário de leitura é estabelecer um verdadeiro diálogo com o autor e uma
reflexão crítica e autônoma sobre o que está sendo lido. Conforme relato de experiência dos alunos,
jamais teriam lido dessa maneira, e a atividade de leitura com esse gênero
facilitou a compreensão da leitura que é concebida como construção de sentidos.
Com
relação à sequência didática, levantamos alguns pontos para discussão.
Primeiramente, a sequência de Oficina de texto articula-se à de Metodologia
Científica. Em Oficina de Texto estuda-se resumo e resenha; em Metodologia
trata-se de paráfrase; Na primeira, planejam-se gêneros acadêmicos; na outra,
trabalham-se as várias etapas de um projeto. Nesse jogo de interação,
conclui-se que o conhecimento não é acabado, uma disciplina se articula e se
completa com outra.
O
segundo ponto diz respeito ao conhecimento prévio das atividades e dos textos
agendados. Essa postura ajuda o planejamento da escrita e das leituras prévias.
Além disso, toda aula estimula a leitura e participação ativa de escrita. Por
exemplo, enquanto um grupo apresenta o seminário sobre uma temática, os demais
devem apresentar um trabalho escrito sobre o mesmo livro. Um dos grandes
problemas enfrentados pelos professores de ensino superior no trabalho com o
gênero seminário é que os demais alunos não leem os textos, apenas aqueles que
o apresentam. O planejamento com sequência didática possibilita o aluno a ler e
estimula a discussão sobre as temáticas para que haja a interação entre os
interlocutores na sala de aula e não seja uma mera exposição do grupo.
O
terceiro ponto da sequência didática é o processo de reescritura dos textos.
Essa é uma parte bem dinâmica do projeto na qual o aluno escreve artigo
científico ou ensaio teórico, e os textos são orientados, corrigidos por duas
professoras. O processo de escritura do gênero científico e a busca do tema
conduzem o aluno a procurar outros professores para os ajudarem na elaboração
dos textos. A pesquisa demonstra o interesse dos alunos por gestão de
documentos, uma área ainda não estudada no 1º período, pela preservação de
documentos, pelos métodos que precisam de auxílio de colegas ou professores
para desenvolver os trabalhos.
Após construírem os textos, os alunos precisam apresentá-los, por isso o
projeto não podia deixar de refletir também sobre a oralidade. No que se refere às modalidades
oral e escrita
da língua, os gêneros
se distribuem numa escala contínua de relações,
podendo apresentar desde
diferenças mais
acentuadas, até
semelhanças tais
que fica difícil,
se não impossível,
enquadrá-los como pertencentes a
uma modalidade da língua
ou a outra.
De acordo com
Schneuwly (2004:135)
Não existe “o oral”,
mas os “orais”
em múltiplas formas,
que, por
outro lado,
entram em relação
com os escritos,
de maneira muito
diversas: podem se aproximar da escrita
e mesmo dela depender
– como é o caso
da exposição oral, ou ainda, do teatro e da leitura
para os outros
-, como também
podem estar mais
distanciados – como nos
debates ou,
é claro, na conversação
cotidiana. Não
existe uma essência mítica do oral que permitiria fundar sua didática, mas práticas de linguagem
muito diferenciadas, que se dão, prioritariamente, pelo
uso da palavra
(falada), mas
também por
meio da escrita
(...).
Assim, podemos dizer que alguns gêneros orais são mais permeados pela
escrita e outros
menos, do mesmo
modo, alguns
gêneros escritos
apresentam mais traços
da oralidade, enquanto
outros os apresentam em quantidade menor. Fica, portanto,
difícil sustentar
a dicotomia entre
fala e escrita.
Os usos reais
da língua revelam a existência
de muitos gêneros
que apresentam uma relação
estreita entre
as duas modalidades.
Após essa etapa de apresentação, um dos alunos da área da Tecnologia da
Informação (TI), organiza todos os textos em um cd dos anais do Seminário de
Saberes Arquivísticos. Nele, está a produção dos artigos acadêmicos,
independente de sua competência linguística, pois o objetivo maior das
disciplinas, consequentemente do projeto, é despertar o interesse pela pesquisa
e que haja uma melhoria no letramento acadêmico do corpo discente, atendendo às
normas da ABNT.
Depois de todas as apresentações, alguns trabalhos foram selecionados e
organizados para publicação em uma coletânea impressa para um evento
interdisciplinar da instituição. Essa é uma etapa fundamental, porque o corpo
discente descobre não só a importância da construção desse gênero, mas também
que há uma finalidade para a produção de qualquer texto.
4
Considerações finais
Mediante as
inquietações apontadas anteriormente, levantamos algumas hipóteses, tais como:
1.
Uma
vez que o aluno é novo membro da
comunidade acadêmica, não traz conhecimentos prévios indispensáveis para a
produção de gêneros acadêmicos;
2.
O
conhecimento desses gêneros no inicio da graduação é essencial para a produção
acadêmica nas diversas disciplinas, pois todos terão que escrever textos
acadêmicos durante os vários semestres e farão a monografia no final do curso.
Essa hipótese contraria a opinião de alguns professores do curso de
Arquivologia que acham que o estudo do gênero acadêmico deveria ser feito
no sétimo período, um semestre antes da
monografia;
3.
A
transposição didática do professor e as diversas interações verbais presentes
na sala de aula, inclusive do material didático é fator predominante para a
compreensão, análise e produção dos gêneros acadêmicos, sendo assim, cremos que
a aprendizagem de um gênero mais simples pode colaborar para a compreensão de
outro, por isso é possível pensar numa cadeia de transposição didática para o ensino e
aprendizagem dos gêneros, num processo de hibridização.
Os
dados nos revelam que as reflexões para um processo teórico-metodológico
precisam ser debruçadas sobre o sentido do humano, em relação com o outro, com
o mundo, com o transcendente. Uma elaboração que, ao mesmo tempo, possibilite a
incorporação dos valores concernentes ao humano e que conduz os indivíduos a se
desenvolverem de maneira autônoma e autêntica.
Parafraseando
Martin Buber, compreender o humano como ser de relação significa, por
sua vez, a impossibilidade de compreendê-lo isoladamente, mas apenas na sua
relação com o mundo: sua família, seu trabalho, suas responsabilidades e
obrigações, experiências que nos permitem caracterizar o humano como ser
essencialmente vinculado à comunidade. O estabelecimento de relações autênticas
é uma condição para a formação, algo que pressupõe é a vivência da totalidade
da relação, enquanto experiência do Inter-humano.
O
educador é apenas mais um componente na vivência do educando. Ele se distingue
dos demais pela presença significativa da vontade que orienta a sua ação
de participar nesse processo e de representar, para o que está se tornando
homem, através da consciência, uma determinada escolha do ser,
uma escolha do ‘certo’ daquilo que deve ser. O que faz dela uma ação
inegavelmente intencional.
A
educação é assim compreendida como responsabilidade com o outro, o educando;
“responsabilidade para a escolha do ser”, é um componente daquilo que chamamos relação.
Uma relação que não se constitui por um ato impositivo, por um decreto, mas que
requer abertura e tem como única via a confiança. É a confiança que suplanta
a resistência contra o estar sendo formado e possibilita que o educando aceite
o educador como pessoa.
BAKHTIN, M. Estética
da criação verbal. Trad. por M. E. Galvão Gomes. São Paulo: Martins
Fontes, 1992 (1953)
MACHADO, A. R.;
LOUSADA, E. ; ABREU-TARDELLI, L. S. Planejar
gêneros acadêmicos. 2. ed. São Paulo: Parábola, 2007a
____________. Resenha. 2. ed. São Paulo: Parábola Editorial,
2007b.
____________. Resumo. 2. ed. São Paulo: Parábola Editorial, 2007c.
____________.Trabalhos
de pesquisa: diários de leitura para a revisão bibliográfica. São Paulo: Parábola, 2007d.
SCHNEUWLY,
Bernard. 2004. Palavra e
ficcionalização: um caminho
para o ensino
da linguagem oral.
In: DOLZ, Joaquim, et al. Gêneros
orais e escritos
na escola. Campinas:
Mercado de Letras,
p. 129-147.
.
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