A
universidade, a pesquisa e o acesso ao conhecimento e à produção de novas
informações evoluem a cada dia. Anteriormente voltados à formação de
profissionais para o ingresso no mercado de trabalho, os cursos superiores,
hoje, respondem a múltiplas demandas do governo e da sociedade de nosso tempo.
Multiplicam-se, igualmente, as agências de fomento e as empresas que investem
em pesquisa, todos estes pautados pela excelência dos projetos e pela
produtividade do pesquisador. Como consequência, a produção escrita de textos
como resumo, resenha, ensaio, artigo é bastante solicitada.
Na
universidade, a produção e a sistematização do conhecimento são mais complexas
do que nos níveis da escola básica, consequentemente a leitura e a produção de
textos exigem uma formalidade maior do que dos gêneros desenvolvidos no nível
anterior. Essa problemática vem sendo discutida em vários congressos e é pauta
de reunião de curso nas universidades como uma manifestação de preocupação em
relação à competência linguística dos alunos na modalidade escrita.
Nessas
discussões, a busca de explicações são as mais diversas: a educação básica como
a raiz do problema, cujo ensino de língua é voltado para exercícios
padronizados e repetitivos; uso exclusivo do livro didático no ensino
fundamental e médio; má formação do professor, entre outras proposições. Além
dessa frágil formação de leitor e produtor de textos, o universitário se depara
com a cultura da leitura fragmentada de textos, a leitura de xerox sem as
indicações da obra ou com páginas faltando. Se a maioria não domina os gêneros
ensinados na escola básica, quiçá os gêneros acadêmicos, completamente
estranhos a ela, mesmo que haja um esforço considerável do corpo discente, há
um baixo desempenho nas atividades de interpretação e produção de textos.
Outro
aspecto que vale ser lembrado é que, na década de 90, havia uma cobrança menor
com relação à produção textual para publicação por
parte de alunos e professores, diferentemente do que acontece hoje nas várias áreas de conhecimento cuja
divulgação docente e discente é essencial para o avanço no processo de
sedimentação em vários campus do saber, considerada como o retorno
esperado das Bolsas de Iniciação Científica e de Pós-Graduação e dos Projetos
de Pesquisa que são financiados pela própria Universidade ou por órgãos de
fomento, uma vez que é a forma mais adequada para socializar essa modalidade de
conhecimento.
Entretanto, a tarefa de redigir um texto para ser publicado ainda
impõe um grande desafio para a maioria daqueles envolvidos com produção do
conhecimento em instituições dedicadas à ciência e à educação. Essa dificuldade
de escrita é comumente visível na construção de monografias ou trabalhos de
conclusão de curso (TCC) na graduação e extrapola para os cursos de mestrado e
de doutorado.
Percebemos, nessa etapa final da graduação quando o aluno se
depara com a construção da monografia ou TCC, um trabalho solitário do
orientador que precisa sanar dificuldades tipicamente linguísticas ou de
caráter cientifico. É importante dizer que em alguns cursos de graduação não há
sequer uma disciplina de língua portuguesa, por exemplo, no curso de Biologia,
como se escrever fosse apenas atividade do curso de Letras.
No contexto acadêmico, a compreensão dos valores e categorias com
as quais várias disciplinas trabalham em torno do objeto de estudo é condição
essencial para saber o que pode ser dito
ou não, como, quando, quem diz, a quem
dizer. Portanto, a produção de texto é solicitada desde o ingresso do aluno na
academia e não apenas nos últimos semestres dos cursos e, talvez, seja por essa
razão que recentemente pesquisadores
preocupados com a linguagem em uso produzem
textos (manuais) disponibilizando a professores de língua vernácula uma
possibilidade de material didático que
leva o aluno a se adequar a essa nova comunidade discursiva.
Essa adequação gera bastante discussão, pois se refere à submissão às
normas do discurso acadêmico, tais como cuidado formal, coerência global,
propósito comunicativo frequentemente limitado apenas para obtenção de nota,
reforço de convenções discursivas canônicas da linguagem escrita e isso pode
tentar moldar os textos, em contrapartida, se não atender às normas que vigoram
nessa comunidade científica, há
possibilidade de ver seu texto ser rejeitado.
Nesse
cenário, desconhecendo total ou parcialmente as convenções
comunicativas/pragmáticas da produção dos discursos da comunidade acadêmica,
nem sempre o aluno consegue se engajar nesse contexto de produção e isso talvez
possa ser um dos fatores de desistências nos diversos cursos. A partir dessa reflexão, consideramos que se
pode buscar explicações que colaborem para o ensino dos gêneros acadêmicos já
que estes demandam uma descrição dos elementos linguísticos, mas sobretudo
dentro de um contexto. É pertinente notar que Mikhail Bakhtin (1929/1995), Marxismo
e Filosofia da Linguagem, refere-se a uma ordem teórico-metodológica para o
estudo da língua que parte do contexto para o texto, um ensino de
linguagem centrado nas práticas da leitura e da produção de texto e não mais na
gramática. Assim, concordando com a ordem teórico-metodológica desse
autor, consideramos que o ensino de produção textual deve começar pela
identificação do contexto social, passando pelos gêneros até chegar às formas
gramaticais.
Ao aprender os gêneros que estruturam um grupo
social com uma dada cultura, o aluno aprende maneiras de participar nas ações
de uma comunidade e parece ser esse o desafio como professores de língua em
sala de aula podem ensinar a escrever na academia e como a interação verbal e a transposição
didática podem colaborar nesse processo, ou seja, uma preocupação com as
transformações que um saber sofre quando passa do campo científico para a
escola.
Vale
ressaltar que a prática pedagógica é produto da relação dialética entre uma
situação e um habitus escolar, que
torna possível a realização de várias tarefas diferentes. Habitus é originado em
Bourdieu
(1994), mas repensado por Setton (2002, p. 69) e compreendido
como um sistema
flexível de disposição, não apenas visto como a sedimentação de um passado
incorporado em instituições sociais tradicionais, mas um sistema de esquemas em
construções, em constante adaptação aos estímulos do mundo moderno; habitus como produto de relações
dialéticas entre uma exterioridade e uma interioridade; habitus visto de uma perspectiva relacional e processual de
análise, capaz de apreender a relação entre indivíduo e sociedade, ambos em
processo de transformação.
Baseando-nos
nesse conceito de habitus, aguçamos
nossa inquietação, pois muitos trabalhos já foram desenvolvidos no exterior e
no Brasil a respeito dos gêneros típicos da academia, a saber: trabalhos que
analisam resenha, resumo, introdução dos
textos, uma valorosa contribuição para a linguística e para a linguística
aplicada, no entanto não conhecemos nenhum trabalho na esfera universitária que
busque analisar os vários fatores, linguísticos ou não, que interferem no
processo de ensino e aprendizagem de textos escritos na universidade
brasileira. Se você conhece trabalhos que se preocupam com a escrita acadêmica, compartilhe conosco, porque este é um passo para democratizar o letramento no Ensino Superior.
Conforme Bourdieu (1994, p. 65) “como um sistema de disposições duráveis e
transponíveis que, integrando todas as experiências passadas, funciona a cada
momento como uma matriz de percepções, de apreciações e de ações”.